Longa noite

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Deitou-se preocupado e sem sono. O barulho da chuva o incomodava, e a noite não passava. Então, o que ele temia: aqueles olhos semi-cerrados o observando. Não, não havia ninguém no quarto. Havia, sim, alguém na sua mente. Até o perfume pôde ser sentido. A sensação de movimento sobre o colchão. O calor dos seus braços. Estava tudo ali. Inclusive aqueles olhos semi-cerrados de reprovação.

Ele não sabia o que havia feito. Não pudera ter feito algo de errado. Tinha os mais sinceros sentimentos. Sentia sim alguma coisa diferente, mas sobretudo, sentia apreço, amizade e carinho. Claro, aquele perfume realmente o abalava. Mas ele não sabia o que pudera ter feito de mal. As conversas foram sinceras, apesar de algumas atiradas maldosas, ou bondosas, dependendo do ponto de vista. Na verdade, ele sabia muito bem o que havia feito, e por isso ela continuava ali. Sem esboçar raiva ou tristeza. Pelo contrário. Ela afagava os seus cabelos carinhosamente. Mas aqueles olhos ainda o incriminavam. E no reflexo desses olhos, conseguiu entender o que ela dizia. Sem que uma palavra fosse dita, ele entendia o que ela dizia. E a cada palavra compreendida, sentia o peso da decisão. E aquela noite não passava.

A chuva aumentou. A pressão aumentou. Os olhos continuaram a mira-lo. E ele sabia que naquele momento, era ela ou nada. Sabia também que escolhe-la não era dizer sim a sua escolha, mas dizer sim à espera, ao respeito pela amizade. O sim que ele deveria dizer era a velha conversa entre amigos. O sim que ela esperava era o bom bate-papo quase como irmãos. E se esse era o sim que ela esperava, esse era o sim que ele daria. E que longo sim, nessa noite que nunca passava.

Ela então deu-lhe um beijo no rosto, e como única palavra de toda aquela noite, pediu-lhe que acordasse. Enfim, aquela noite passou…